terça-feira, 30 de abril de 2013

COMUNICADO - FÉRIAS

Prezados Amigos,

Durante este mês de maio estarei gozando de férias.

A 8ª Promotoria de Justiça estará sob os cuidados do Doutor Leonardo Felipe Cavalcanti Luchese, titular da 5ª Promotoria de Justiça da Comarca de Criciúma, em regime de substituição.

A equipe permanecerá à disposição da comunidade através dos meios de contato que se encontram publicados na coluna à direita.

Até junho!

Cordialmente,

Mauro Canto da Silva
Promotor de Justiça

PROGRAMA APOIA - PP INSTAURADO

No dia 30 de abril de 2013, foi instaurado na 8ª Promotoria de Justiça, Procedimento Preparatório a fim de se averiguar o funcionamento e promover o aperfeiçoamento do Programa APÓIA, do Ministério Público. 

Santa Catarina possui a menor taxa de evasão escolar do país - apenas 2,2% de jovens estão fora da escola. Porém, para reduzir ainda mais os índices de infrequência nas salas de aula, o Centro de Apoio Operacional da Infância e Juventude (CIJ) do Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) elegeu o programa Apoia como iniciativa estratégica no Plano Geral de Atuação - PGA 2013. Criado em 2001, o Apoia tem o objetivo de promover o regresso de jovens entre 7 e 18 anos de idade às escolas. A permanência de crianças e adolescentes em instituições de ensino é assegurada pela Constituição Federal.

Para 2013, a meta do programa é desenvolver um sistema informatizado para interligar os três órgãos parceiros de execução - MPSC, Conselho Tutelar e instituições de ensino. O objetivo é digitalizar as fichas de avisos de infrequência para facilitar a troca de informações e possibilitar a elaboração de estatísticas mais confiáveis do programa. Hoje, o processo de encaminhamento entre os órgãos é realizado com fichas de papel, o que gera demora nas ações para o retorno dos alunos faltosos e não permite o controle preciso de quantos voltaram às salas de aula. Com o sistema, todos os participantes do programa serão comunicados em tempo real das infrequências e das ações de cada instituição.


Atualmente, após constatação pelos professores da falta do aluno pelo período de cinco dias consecutivos ou sete dias alternados, a escola preenche a ficha e tenta, no prazo de uma semana, o retorno do aluno. Caso não seja resolvido, a escola encaminha a ficha impressa para o Conselho Tutelar, que investiga as circunstâncias e busca uma solução. Se ainda assim não houver êxito, a mesma ficha é encaminhada à Promotoria de Justiça da Infância e Juventude, que entrará em contato com os pais para tentar o retorno do aluno à aula. Quando o caso é solucionado, em qualquer fase desse processo, as fichas são arquivadas. Desde 2011, mais de 10 mil jovens e adolescentes retornaram às salas de aula em virtude das ações do programa. 

A íntegra da Portaria encontra-se abaixo:



PORTARIA N. 009/2013/08PJ/CRI

Dispõe sobre a instauração de Procedimento Preparatório destinado a apurar existência de equipe multidisciplinar responsável pelo atendimento de alunos com registro de evasão escolar e a necessidade de ser ofertada tal atividade no município de Criciúma.



CONSIDERANDO o disposto no artigo 127, caput, da Constituição Federal, e artigo 93 da Constituição do Estado de Santa Catarina, que conferem ao Ministério Público a incumbência da defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis;

CONSIDERANDO que a oferta do ensino fundamental, compreendido na 1ª a 8ª séries, constitui direito público subjetivo, sendo, portanto, obrigatória (art. 208, § 1º, da Constituição Federal - CF e art. 54, § 1º, do Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA) e que “O não-oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta irregular, importa responsabilidade da autoridade competente” (art. 208, § 2º e art. 54, § 2º, do ECA);

CONSIDERANDO que constitui dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente atendimento no ensino fundamental, através de programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde (art. 54, VII, do ECA);

CONSIDERANDO que, nos termos do artigo 5º da LDB, “O acesso ao ensino fundamental é direito público subjetivo, podendo qualquer cidadão, grupo de cidadãos, associação comunitária, organização sindical, entidade de classe ou outra legalmente constituída, e, ainda, o Ministério Público, acionar o Poder Público para exigi-lo”.

CONSIDERANDO que o constituinte, tratou, ainda, de incluir a proteção das crianças e dos adolescentes entre os direitos sociais, ao dispor, em seu artigo 6º, que “são direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção a maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”;

CONSIDERANDO que “é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”, conforme artigo 227 da Constituição Federal;

CONSIDERANDO que “a criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho, assegurando-lhes: I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola”, nos termos do artigo 53, caput, do ECA;

CONSIDERANDO, ainda, o princípio consagrado no art. 58 do mesmo Estatuto, segundo o qual “no processo educacional respeitar-se-ão os valores culturais, artísticos e históricos próprios do contexto social da criança e do adolescente, garantindo-se a estes a liberdade de criação e o acesso às fontes de cultura”, enunciando, de forma expressa, a obrigação do Poder Público em garantir o acesso a sistemas de ensino que respeitem e dignifiquem os valores e o contexto social de cada comunidade;

CONSIDERANDO que “o dever do Estado com educação escolar pública será efetivado mediante a garantia de: I – ensino fundamental obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria; (art. 4º, I, da Lei n. 9.394/94 – LDB);

CONSIDERANDO que o Estado, no tocante à obrigatoriedade de oferta regular do ensino fundamental, detém o dever de assegurar os necessários meios para o amplo acesso do aluno ao ensino, zelando por sua frequência concreta aos estudos, de maneira a proporcionar-lhe efetivo aprendizado do conteúdo pedagógico ministrado; 

CONSIDERANDO que Compete aos Estados e aos Municípios, em regime de colaboração, e com a assistência da União, zelar, junto aos pais ou responsáveis, pela freqüência à escola, nos termos da LDB (art. 5º, parágrafo 1º, III);

CONSIDERANDO que os estabelecimentos de ensino, nos termos do art. 12, VII e VIII, da LDB, terão a incumbência de informar os pais e responsáveis sobre a frequência e o rendimento dos alunos, bem como notificar ao Conselho Tutelar do Município, ao juiz competente da Comarca e ao respectivo representante do Ministério Público a relação dos alunos que apresentem quantidade de faltas acima de cinquenta por cento do percentual permitido em lei;

CONSIDERANDO que os dirigentes de estabelecimento de ensino fundamental comunicarão ao Conselho Tutelar os casos de reiteração de faltas injustificadas e de evasão escolar, após esgotados os recursos escolares (art. 56, II, do ECA), para efeitos deste Órgão, aplicando alguma medida de proteção, procurar enfrentar o problema; 

CONSIDERANDO o notório conhecimento do número significativo de evasão e abandono escolares por alunos do ensino fundamental, em razão de inúmeros fatores, dentre limitações físicas (problemas de visão, de acessibilidade etc.), problemas psico-sociais (traumas vivenciados em família – abuso sexual, ameaças, embriaguez de algum dos pais; situação vexatória frente a outras crianças por falta de asseio, vestimentas modestas, etc., provocadas pela carência financeira da família; baixa auto-estima e/ou depressão; envolvimento com entorpecentes; negligência dos pais; exigência de trabalho, ainda que apenas no contra-turno; inadequação ao programa escolar; etc), enfim, situações que comprometem o aprendizado e, por consequência, tornam desagradável a frequência na escola, culminando com o baixo rendimento escolar e o seu abandono;

CONSIDERANDO que a evasão escolar é antieconômica, visto que o abandono precoce dos bancos escolares implica em desperdício dos recursos até então destinados;

CONSIDERANDO que o repasse de recursos do FUNDEB para os Estados e para os Municípios dá-se por aluno, considerando o número de matrículas do ano anterior, de modo que, quanto maior o número de alunos matriculados, maiores os recursos repassados; 

CONSIDERANDO que a evasão escolar é anti-social, pois a criança ou o jovem despreparado, malformado, se transformará no adulto marginalizado, desempregado, ou subempregado;

CONSIDERANDO a ausência de profissionais adequados (psicólogo, pedagogo e assistente social) disponibilizados pelas próprias escolas públicas, ou em atuação articulada com ela, para enfrentamento das causas que provocam a evasão e/ou o abandono escolares;

CONSIDERANDO experiências positivas desenvolvidas em Comarcas que constituíram equipes multidisciplinares formadas por profissionais de pedagogia, psicologia e serviço social, com atuação exclusiva nos casos de evasão e/ou abandono escolar, atendendo de forma continuada os alunos e suas famílias que apresentaram tal problemática;

CONSIDERANDO as diretrizes do Programa de Combate à Evasão Escolar – APOIA, desenvolvido no Estado de Santa Catarina com diversos parceiros, notadamente Escolas Públicas Municipais e Estaduais, Conselhos Tutelares e Ministério Público, necessita de aprimoramentos, visto que sua atual formatação, por deixar de envolver uma abordagem psicossocial pedagógica, não vem mais dirimindo a contento a maior parte das causas de evasão ou abandono escolar;

CONSIDERANDO que “é dever de todos prevenir a ocorrência de ameaça ou violação dos direitos da criança e do adolescente” (art. 70 do ECA), aí incluídos o direito à educação;

CONSIDERANDO a fundamentação do artigo 129, III, Constituição Federal, dos artigos 201, V, e 223 da Lei n. 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente), 82, VI, da Lei Complementar Estadual n. 197/00 (Lei Orgânica Estadual do Ministério Público) e artigo 2º, § 6º, do Ato n. 81/2008/PGJ, este Órgão de Execução do Ministério Público DETERMINA:  

I) a autuação deste feito como Procedimento Preparatório; 

II) a nomeação Amanda dos Santos Lopes, Assistente de Promotoria, para secretariar os trabalhos;

III) a elaboração de extrato com os dados deste inquérito, de acordo com o modelo previsto no anexo II do Ato n. 81/2008/PGJ; 

IV) a remessa do extrato citado no item anterior, por meio eletrônico, ao e-mail DiarioOficial@mp.sc.gov.br, no formato determinado pelos Atos ns. 81/2008/PGJ e 323/2008/PGJ; 

V) a remessa do presente despacho, por meio eletrônico, ao Centro de Apoio Operacional da Infância e Juventude (e-mail cij@mp.sc.gov.br), nos termos do artigo 22 do Ato n. 81/2008/PGJ; 

VI) a requisição de informações ao Município de Criciúma sobre a existência de estratégias para o combate da evasão escolar;

VIII) a requisição de informações ao Conselho Tutelar de Criciúma sobre o número de registros de evasão/abandono escolar durante os anos letivos de 2011 e 2012, destacando a importância da fidelidade dessa informação, bem assim informações acerca da existência de equipe multidisciplinar responsável pelo atendimento de alunos com registro de evasão escolar, esclarecendo, em caso de resposta positiva, como está sendo desenvolvido esse trabalho. No caso de resposta negativa, esclarecer sobre a necessidade de ser ofertada tal atividade.

O prazo para conclusão deste é de 90 (noventa) dias, a teor do § 8º do artigo 2º do Ato n. 081/2008/PGJ.

Criciúma, 30 de abril de 2013.

MAURO CANTO DA SILVA
      Promotor de Justiça
Curador da Infância e Juventude

segunda-feira, 29 de abril de 2013

A CORRENTE, Conexão Repórter



"Roberto Cabrini revelou a inquietante história dos meninos que vivem acorrentados.

Depois de três meses de investigação, a reportagem mostra como jovens são mantidos como prisioneiros em suas casas. E as mãos que acorrentam são das próprias mães deles.
Por trás de tudo, uma tentativa desesperada de afastar os menores do colossal poder do tráfico de drogas e seus chefões, em uma importante capital brasileira.

Quem são esses meninos? Quem são as mães que transformam seus lares em cadeias privadas?

Imagens arrebatadoras. Depoimentos chocantes, contundentes. Em uma entrevista desafiadora, o chefe do tráfico confessa como alicia, recruta e comanda um exército de garotos para perpetuar a indústria das drogas.

Os que não obedecem, muitas vezes, pagam um alto preço em um universo onde as armas dos bandidos substituem a lei e o Estado

A corrente, que simboliza o descaso e o abandono, e que separa os meninos do mundo livre começa a ser desvendada.

A reportagem expõe as marcas de uma epidemia social. Os muitos ângulos do cárcere privado com suas causas e consequências. Expressão máxima da ausência do Estado. (texto original do site da reportagem)"

Assista os vídeos nos links abaixo e reflita:














Reportagem extraída do site SBT - Sistema Brasileiro de Televisão

sexta-feira, 26 de abril de 2013

E.M.I.E.F. FILHO DO MINEIRO - PROCEDIMENTO PREPARATÓRIO INSTAURADO

Através da página da 8ª Promotoria de Justiça no Facebook, recebemos "denúncia" acerca da situação do educandário e dos alunos da Escola Municipal Filho do Mineiro.
Em virtude daquela manifestação, foi instaurado procedimento preparatório para colher informações a fim de sanear as dificuldades a que está submetida a comunidade escolar.
Esta foi a primeira representação produzida pelos canais de comunicação colocados pela 8ª Promotoria de Justiça a favor da sociedade: este Blog e Facebook.

Segue íntegra da portaria de instauração



SIG nº : 06.2013.00005050-7
PORTARIA N. 008/2013/08PJ/CRI


CONSIDERANDO que a Constituição Federal, em seu art. 227, prevê que "é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão";

CONSIDERANDO que a Carta Magna confere ao Ministério Público, a função de "zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia" (art. 129, II) e que o artigo 201, V, legitima o Ministério Público para tais providências quando em defesa de interesses difusos e coletivos “relativos à infância e a adolescência”;

CONSIDERANDO que segundo dispõe o art. 201, VI, alínea a e b, do Estatuto da Criança e do Adolescente como sendo de competência do Ministério Público instaurar procedimentos administrativos e para instruí-los “expedir notificações para acolher depoimentos os esclarecimentos e, em caso de não comparecimento injustificado, requisitar condução coercitiva, inclusive pela polícia civil ou militar; [...] bem como promover inspeções e diligência investigatórias;

CONSIDERANDO que reza o inciso VIII do mesmo artigo do Diploma Legal supracitado que é competência do Ministério Público “zelar pelo efetivo respeito aos direitos e garantias legais assegurados às crianças e adolescentes, promovendo as medidas judiciais e extrajudiciais cabíveis”;

CONSIDERANDO que, ainda, o artigo 210 do Estatuto da Criança e do Adolescente confere legitimidade ao Ministério Público para propor ações civis fundadas em interesses coletivos ou difusos, podendo "tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, o qual terá eficácia de título executivo extrajudicial" (art. 211 da Lei n. 8.069/90);

CONSIDERANDO que é dever da municipalidade garantir as "condições físicas adequadas para o funcionamento das escolas", a teor do que dispõe o artigo 122, VI, da Lei Orgânica do Município de Criciúma; 

CONSIDERANDO a necessidade de adoção de medidas urgentes que visem preservar o interesse público e garantir o cumprimento da Constituição Federal e da legislação extravagante;

CONSIDERANDO a denúncia dirigida à 8ª Promotoria de Justiça através de canal de comunicação mantido em rede social ("Facebook") sobre as inadequações estruturais da E.M.I.E.F. Filho do Mineiro, situada na Praça Manoel João Machado, bairro Metropolitana, CEP 88819-000, nesta cidade;

CONSIDERANDO a fundamentação dos artigos 127 e 129 da Constituição Federal, no inciso IV do artigo 25 da Lei n. 8.625/93 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público) e, no inciso VI, alínea "c", do artigo 82 da Lei Complementar Estadual n. 197/00 (Lei Orgânica Estadual do Ministério Público) e artigo 4º e seguintes do Ato nº 81/2008/PGJ, este Órgão de Execução do Ministério Público DETERMINA:  

I) a autuação deste feito como Inquérito Civil Público; 

II) a nomeação Amanda dos Santos Lopes, Assistente de Promotoria, para secretariar os trabalhos;

III) a elaboração de extrato com os dados deste inquérito, de acordo com o modelo previsto no anexo II do Ato n. 81/2008/PGJ; 

IV) a remessa do extrato citado no item anterior, por meio eletrônico, ao e-mail DiarioOficial@mp.sc.gov.br, no formato determinado pelos Atos ns. 81/2008/PGJ e 323/2008/PGJ; 

V) a remessa do presente despacho, por meio eletrônico, ao Centro de Apoio Operacional da Infância e Juventude (e-mail cij@mp.sc.gov.br), nos termos do artigo 22 do Ato n. 81/2008/PGJ; 

VI) a requisição de laudo de vistoria dos Bombeiros e Defesa Civil;

VII) a requisição de informações à Secretaria de Educação do Município de Criciúma;

O prazo para conclusão deste é de 1 (um) ano, a teor do artigo 11 do Ato n. 081/2008/PGJ.

Criciúma, 26 de abril de 2013.

MAURO CANTO DA SILVA
      Promotor de Justiça
Curador da Infância e Juventude

quarta-feira, 24 de abril de 2013

Juiz e promotor fazem explanação na Câmara sobre o Casep


Veja a Galeria de Imagens
23-04-2013 - 21:35:00
A situação do Centro de Atendimento Socioeducativo Provisório (Casep), localizado no Bairro Vila Zuleima, foi pauta da sessão de hoje (23/4) na Câmara de Vereadores de Criciúma. O assunto foi abordado pelo Juiz da Vara da Infância e Juventude Geancarlo Bremer Nones, pelo Promotor de Justiça Mauro Canto da Silva e pelo representante da ONG Multiplicando Talentos, Eduardo Milioli.

O promotor lembrou a superlotação, registrada no final do ano passado, e das ações civis públicas. “Eles ficam na ociosidade, pois o local não é preparado para atendê-los. O adolescente permanece internado até que termine o processo e eles estão ocorrendo em até 45 dias. Havendo destinação correta da unidade vai poder ter um melhor trabalho da ONG. Só estão reclusos porque violaram regras. Não se quer nada mais do que o cumprimento da lei, da obrigação de oferecer segurança para a coletividade, e o amparo ao adolescente”, disse.

Ele ainda falou da construção do Centro de Atendimento Socioeducativo (Case). “Tem que ser muito bem feito e estruturado. Se for querer fazer um Centro para 60 adolescentes e se não realizar contratação não vai funcionar o trabalho socioeducativo e vamos continuar com os mesmos problemas”, argumentou, enfatizando que o serviço é estadual. “A responsabilidade é do Estado e não do Município. Tem que ter previsão, orçamento, previsão de início e conclusão das obras, de contratação de pessoal”, enfatizou.

O juiz Gencarlo Bremer abordou que o que se tem vivenciado é a preocupação com pontos de irregularidades. “O Casep não está projetado como deveria ser. Em vez de medidas socioeducativas eles são colocados lá sem estrutura e sem condições. Tem uma ação tramitando para as adequações na estrutura do local”, falou, salientando que muitos casos de recuperação foram vivenciados.

Um relatório foi encaminhado em março para a Câmara de Vereadores e muitas irregularidades foram encontradas. “Não basta ter espaço físico se não se tem estrutura para atender bem esses adolescentes. Santa Catarina é um dos piores do Brasil em termos de atendimento socioeducativo. A corregedoria fez em março uma inspeção, e na semana passada realizamos nova inspeção no Casep”, lembrou.

O representante da ONG destacou que dos 20 adolescentes no local, 18 são de regime de internação e lembrou as atividades realizadas, como sarau, oficinas de capoeira e outros, além da qualidade nos serviços. “Precisa-se de mais espaço na unidade para atividades físicas. Uma das dificuldades é a mistura da internação com a provisória, ou seja, não há separação de adolescentes com base na gravidade da infração, e a falta de segurança é outro ponto. Sabemos das dificuldades e a equipe não mede esforços para fazer o atendimento. Contamos sempre com apoio do Poder Judiciário”, contou. Segundo ele só há dois Cases no Estado, em Lages e em Chapecó. Milioli falou que está sendo feita uma reforma no local.

A vinda do promotor, do juiz e do representante da ONG, foi por meio de requerimento do vereador Pastor Jevis (PDT) e aprovado pelos parlamentares. A comunidade do Bairro Vila Zuleima também esteve presente. Os parlamentares participaram fazendo indagações aos convidados.

Reunião com secretária Ada de Luca

Nesta quarta-feira (24/4) os vereadores vão participar de reunião com a secretária de Estado da Justiça e Cidadania, Ada De Luca. Reestruturação do espaço físico, fugas, plano de capacitação, importância do trabalho socioeducativo e adequações na estrutura do Centro de Atendimento Socioeducativo Provisório (Casep) de Criciúma, serão alguns dos assuntos a serem debatidos na Secretaria, em Florianópolis, às 14 horas.

“É importante que se tenha um trabalho socieducativo, de ressocialização, de integrá-los na sociedade. É obrigação do Estado fazer isso, já que é lei. Da mesma forma que estão no local pelos atos infracionais que cometeram, a lei também diz que eles não podem ficar ociosos no espaço”, acrescentou o vereador Pastor Jevis (PDT), que solicitou audiência com a secretária.

O Casep atende adolescentes aos quais se atribua a autoria de ato infracional, em regime de internação provisória. É uma Entidade Não Governamental denominada ONG Multiplicando Talentos, conveniada à Secretaria de Estadual, Justiça e Cidadania, Secretaria de Desenvolvimento Regional, com a interveniência do Departamento de Administração Socieducativa (Dease). O local tem capacidade para atender 20 infratores. “É preciso de estrutura, ambientalização, para que se tenha o mínimo de estrutura para que se possa fazer um bom trabalho com os adolescentes”, finalizou.


Daniela Savi/Assessoria de Imprensa - JP 01970/SC - Câmara de Vereadores de Criciúma: http://camara.virtualiza.net/noticia.php?noticia_cod=2160

ESCOLA LINDOLFO COLLOR - ACP - LIMINAR DEFERIDA

No último dia 19/04, foi deferida medida liminar em Ação Civil Pública ajuizada pela 8ª Promotoria de Justiça, que tem o objetivo final de obrigar o Estado de Santa Catarina a reformar a Escola de Educação Básica Linfolfo Collor, no sentido de interditar as áreas de risco daquele educandário, delimitadas pelo Corpo de Bombeiros e Defesa Civil e, ainda, ordenando ao réu que, no prazo de 30 (trinta) dias, a contar da intimação, comprove o início das obras tendentes à reforma e adequação da Escola de Educação Básica Lindolfo Collor, sob pena de interdição completa do local e multa diária de R$ 1.000,00 (mil reais) em favor do Fundo da Infância e Juventude de Criciúma, a ser arcada pessoalmente pelo Secretário de Estado do Desenvolvimento Regional de Criciúma

Eis a íntegra da decisão:

1. O Ministério Público ajuizou ação civil pública para cumprimento de obrigação de fazer com pedido liminar em face do Estado de Santa Catarina, objetivando compeli-lo a reformar a Escola de Educação Básica Lindolfo Collor, especialmente adequando suas instalações físicas às exigências apontadas pelo Corpo de Bombeiros, Defesa Civil e Vigilância Sanitária, afastando-se assim a situação de risco a que estão expostos todos os alunos, profissionais e usuários em geral do colégio em questão.


2. Consoante disposição do art. 461, § 3º, do Código de Processo Civil, nas ações que tenham por objeto o cumprimento de obrigação de fazer, sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou mediante justificação prévia, citado o réu.
Os relatórios do Corpo de Bombeiros (fls. 30-31 e 74-75), da Defesa Civil (fls. 57-58) e da Vigilância Sanitária (fls. 7-9) evidenciam a necessidade de diversas providências para a adequação da Escola Estadual Básica Lindolfo Collor.
O réu procurou minimizar a gravidade da situação, alegando que a reforma do local já está sendo enfrentada, sendo providenciados alguns reparos iniciais e o processamento do projeto de uma ampla reforma (vide fls. 11, 43 e 81-85).
Porém, sempre após as justificativas vieram aos autos – primeiro no inquérito civil e depois na própria ação civil pública – dados concretos dos riscos apontados na inicial e da letargia do réu em realizar as providências necessárias.
Em 20/10/2010, a Vigilância Sanitária esteve no local, representada por um engenheiro civil e agrimensor e por uma cirurgiã dentista, constatando todas as irregularidades descritas no relatório de fls. 7-9, encaminhado ao Ministério Público em 26/5/2011. Importante mencionar que, diante disso, o Alvará Sanitário não foi liberado.
De posse da documentação, o Ministério Público questionou representantes do réu, que deram a primeira justificativa de fl. 11, em 20/12/2011, onde expressamente colocaram que mais uma etapa de reforma ocorreria no ano seguinte.
Diante disso, o Corpo de Bombeiros foi requisitado e reportou ao autor diversos problemas de segurança e estruturais nas instalações. Salientou-se na ocasião que o estabelecimento não possui Alvará de Funcionamento nem Atestado de Vistoria para Habite-se. O relatório foi produzido em 11º/3/2012, vide fls. 29-31.
Na sequência, em 29/1/2013, ainda durante o inquérito civil, o réu apresentou a documentação de fls. 43-56, afirmando que o local não ofereceria perigo à integridade física dos usuários.
Contudo, o relatório da Defesa Civil (fls. 57-72), datado de 21/2/2013, demonstrou a existência de inúmeras irregularidades que não podem ser desconsideradas em se tratando de um lugar de grande circulação de pessoas.
Em mais uma vistoria (fls. 74-75), realizada em 25/2/2013, o Corpo de Bombeiros noticiou a permanência de muitos dos problemas apontados na primeira por ele realizada, continuando o estabelecimento sem Alvará de Funcionamento e Atestado de Vistoria para Habite-se. A condição do colégio é conhecida até pela Comissão de Educação, Cultura e Desporto da Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina, a qual indicou, em relatório de vistorias feitas no mês de dezembro de 2012, problemas similares aos denunciados pelo Corpo de Bombeiros, Vigilância Sanitária e Defesa Civil.
Verifica-se, portanto, que o caso é conhecido e vem sendo alertado há bastante tempo por muitas instituições sem que o réu responda com a celeridade merecida. Está satisfatoriamente provado, ao menos neste juízo de conhecimento preliminar, que o não suprimento das carências apontadas nos relatórios coloca em situação de vulnerabilidade não só as crianças e os adolescentes atendidos pela escola como todos aqueles que ali trabalham e frequentam, haja vista as condições sanitárias e estruturais, que comprometem, inclusive, o desempenho e o atendimento da atividade fim do estabelecimento.
Nesse contexto, tem-se como relevantes os fundamentos invocados, impondo-se o deferimento da liminar requestada. 
Por fim, agregue-se que em se tratando de obrigação de fazer, impõe-se a fixação de multa diária para o caso de descumprimento da ordem judicial, a fim de garantir a efetividade do comando, o que se faz com suporte no art. 461, § 4º, do Código de Processo Civil.
Destaque-se que a responsabilidade pelo pagamento da multa é do representante legal do réu, no caso o Secretário de Estado do Desenvolvimento Regional de Criciúma, autoridade que têm capacidade para atender à decisão, consoante escólio de Luiz Guilherme Marinoni:
"Caso a multa incidir sobre a pessoa jurídica de direito público, apenas o seu patrimônio poderá responder pelo não-cumprimento da decisão. Entretanto, não há cabimento na multa recair sobre o patrimônio da pessoa jurídica, se a vontade responsável pelo não-cumprimento da decisão é exteriorizada por determinado agente público. Se a pessoa jurídica exterioriza sua vontade por meio da autoridade pública, é lógico que a multa somente pode lograr o seu objetivo se for imposta diretamente ao agente capaz de dar atendimento à decisão jurisdicional.
Não há procedência no argumento de que a autoridade pública não pode ser obrigada a pagar a multa derivada de ação em que foi parte apenas a pessoa jurídica. É que essa multa somente poderá ser imposta se a autoridade pública, que exterioriza a vontade da pessoa jurídica, não der atendimento à decisão. Note-se que a multa somente pode ser exigida da própria autoridade que detinha capacidade para atende à decisão – e não cumpriu. A tese que sustenta que a multa não pode recair sobre a autoridade somente poderia ser aceita se partisse da premissa – completamente absurda – de que o Poder Público pode descumprir decisão jurisdicional em nome do interesse público." (Técnica processual e tutela de direitos. São PAULO: Revista dos Tribunais, 2004, p. 2662)

3. Ante o exposto, defiro a liminar requestada, determinando a interdição das áreas de risco, a serem delimitadas pelo Corpo de Bombeiros e Defesa Civil, bem como para ordenar ao réu que, no prazo de 30 (trinta) dias, a contar da intimação, comprove o início das obras tendentes à reforma e adequação da Escola de Educação Básica Lindolfo Collor às exigências da Vigilância Sanitária e Corpo de Bombeiros, sob pena de interdição completa do local e multa diária de R$ 1.000,00 (mil reais) em favor do Fundo da Infância e Juventude de Criciúma, a ser arcada pessoalmente pelo Secretário de Estado do Desenvolvimento Regional de Criciúma.

Expeça-se carta precatória para citação e intimação do Estado de Santa Catarina, com as advertências legais.

Intime-se o Secretário de Estado do Desenvolvimento Regional de Criciúma a respeito dos termos da presente decisão. O mandado deverá ser cumprido pelo oficial de justiça de plantão.

Intime-se.

Criciúma (SC), 19 de abril de 2013

Giancarlo Bremer Nones
Juiz de Direito

terça-feira, 23 de abril de 2013

PELA AMPLIAÇÃO DA MAIORIDADE MORAL


ELIANE BRUM - 22/04/2013 08h59 - Atualizado em 22/04/2013 12h19

Pela ampliação da maioridade moral

E pelo aumento do nosso rigor ao exigir o cumprimento da lei de governantes que querem aumentar o rigor da lei (e também dos que não querem)

ELIANE BRUM
Eliane Brum, jornalista, escritora e documentarista. Autora de um romance - Uma Duas (LeYa) - e de três livros de reportagem: Coluna Prestes – O Avesso da Lenda (Artes e Ofícios), A Vida Que Ninguém Vê (Arquipélago, Prêmio Jabuti 2007) e O Olho da Rua  -  (Foto: Lilo Clareto/Divulgação)
Eu acredito na indignação. É dela e do espanto que vêm a vontade de construir um mundo que faça mais sentido, um em que se possa viver sem matar ou morrer. Por isso, diante de um assassinato consumado em São Paulo por um adolescente a três dias de completar 18 anos, minha proposta é de nos indignarmos bastante. Não para aumentar o rigor da lei para adolescentes, mas para aumentar nosso rigor ao exigir que a lei seja cumprida pelos governantes que querem aumentar o rigor da lei. Se eu acreditasse por um segundo que aumentar os anos de internação ou reduzir a maioridade penal diminuiria a violência, estaria fazendo campanha neste momento. Mas a realidade mostra que a violência alcança essa proporção porque o Estado falha – e a sociedade se indigna pouco. Ou só se indigna aos espasmos, quando um crime acontece. Se vivemos com essa violência é porque convivemos com pouco espanto e ainda menos indignação com a violência sistemática e cotidiana cometida contra crianças e adolescentes, no descumprimento da Constituição em seus princípios mais básicos. Se tivessem voz, os adolescentes que queremos encarcerar com ainda mais rigor e por mais tempo exigiriam – de nós, como sociedade, e daqueles que nos governam pelo voto – maioridade moral. 
Se é de crime que se trata, vamos falar de crime. E para isso vale a pena citar um documento da Fundação Abrinq bastante completo, que reúne os estudos mais recentes sobre o tema. Mais de 8.600 crianças e adolescentes foram assassinados no Brasil em 2010, segundo o Mapa da Violência. Vou repetir: mais de 8.600. Esse número coloca o Brasil na quarta posição entre os 99 países com as maiores taxas de homicídio de crianças e adolescentes de 0 a 19 anos. Em 2012, mais de 120 mil crianças e adolescentes foram vítimas de maus tratos e agressões segundo o relatório dos atendimentos no Disque 100. Deste total de casos, 68% sofreram negligência, 49,20% violência psicológica, 46,70% violência física, 29,20% violência sexual e 8,60% exploração do trabalho infantil. Menos de 3% dos suspeitos de terem cometido violência contra crianças e adolescentes tinham entre 12 e 18 anos incompletos, conforme levantamento feito entre janeiro e agosto de 2011. Quem comete violência contra crianças e adolescentes são os adultos.  
Será que o assassinato de mais de 8.600 crianças e adolescentes e os maus tratos de mais de 120 mil não valem a nossa indignação? 
Diante desse massacre persistente e cotidiano, talvez se pudesse esperar um alto índice de violência por parte de crianças e adolescentes. E a sensação da maioria da população, talvez os mesmos que clamam por redução da maioridade penal, é que há muitos adolescentes assassinos entre nós. É como se aquele que matou Victor Hugo Deppman na noite de 9 de abril fosse legião. Não é. Do total de adolescentes em conflito com a lei em 2011 no Brasil, 8,4% cometeram homicídios. A maioria dos delitos é roubo, seguido por tráfico. Quase metade do total de adolescentes infratores realizaram o primeiro ato infracional entre os 15 e os 17 anos, conforme uma pesquisa do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). E, adivinhe: a maioria abandonou a escola (ou foi abandonado por ela) aos 14 anos, entre a quinta e a sexta séries. E quase 90% não completou o ensino fundamental.  
Será que não há algo para pensar aí, uma relação explícita? Não são a escola – como lugar concreto e simbólico – e a educação – como garantia de acesso ao conhecimento, a um desejo que vá além do consumo e também a formas não violentas de se relacionar com o outro – os principais espaços de dignidade, desenvolvimento e inclusão na infância e na adolescência?  
É demagogia fazer relação entre educação e violência, como querem alguns? Mas será que é aí que está a demagogia? É sério mesmo que a maioria da população de São Paulo acredita que tenha mais efeito reduzir a maioridade penal em vez de pressionar o Estado – em todos os níveis – a cumprir com sua obrigação constitucional de garantir educação de qualidade?
Não encontro argumentos que me convençam de que a redução da maioridade penal vá reduzir a violência. E encontro muitos argumentos que me convencem de que a violência está relacionada ao que acontece com a escola no Brasil. A começar pelo recado que se dá a crianças e adolescentes quando os professores são pagos com um salário indigno.   Aqueles que escolhem (e eles são cada vez menos) uma das profissões mais importantes e estratégicas para o país se tornam, de imediato, desvalorizados ensinando (ou não ensinando) outros desvalorizados. Será que essa violência – brutal de várias maneiras – não tem nenhuma relação com a outra que tanto nos indigna?  
Teríamos mais esperança de mudança real se, diante de um crime bárbaro, praticado por um adolescente a três dias de completar 18 anos, o povo fosse às ruas exigir que crianças e jovens sejam educados – em vez de bradar que sejam enjaulados mais cedo ou com mais rigor nas prisões que tão bem conhecemos. Vale a pena pensar, e com bastante atenção: a quem isso serve?   
É uma mentira dizer que os adolescentes não são responsabilizados pelos atos que cometem. O tão atacado Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) prevê a responsabilização, sim. Inclusive com privação de liberdade, algo tremendo nessa faixa etária. Mas, de novo, o Estado não cumpre a lei. Numa pesquisa realizada pelo CNJ, apenas em 5% de quase 15 mil processos de adolescentes infratores havia informações sobre o Plano Individual de Atendimento (PIA), que permitiria que a medida socioeducativa funcionasse como possibilidade de mudança e desenvolvimento.   
Alguém pensa em se indignar contra isso?  
Se você se alinha àqueles que querem que os adolescentes sejam encarcerados, torturados e sexualmente violados para pagar pelos seus crimes, pode se alegrar. É o que acontece na prática numa parcela significativa das instituições que deveriam dar exemplo de cumprimento da lei e oferecer as condições para que esses adolescentes mudassem o curso da sua história, como mostrou uma reportagem do Fantástico feita por Marcelo Canellas, Wálter Nunes e Luiz Quilião. Segundo a pesquisa do CNJ já citada, em 34 instituições brasileiras, pelo menos um adolescente foi abusado sexualmente nos últimos 12 meses, em 19 há registros de mortes de jovens sob a tutela do Estado, e 28% dos entrevistados disseram ter sofrido agressões físicas dos funcionários. Sem contar que, em 11 estados, as instituições operam acima da sua capacidade.  

Será que a perpetuação da violência juvenil decorre da falta de rigor da lei ou do fato de que parte das instituições de adolescentes funciona na prática como um campo de concentração? Antes de tentar mudar a lei, não seria mais racional cumpri-la?
É o que o bom senso parece apontar. Mas é previsível que, num ano pré-eleitoral e com 93% dos paulistanos a favor da redução da maioridade penal, segundo pesquisa do Datafolha, o governador Geraldo Alckmin (PSDB) prefira enviar ao Congresso um projeto para alterar o ECA, passando o período máximo de internação dos atuais 3 anos para 8 anos em casos de crimes hediondos. Uma medida tida como enérgica e rápida, num momento em que o Estado de São Paulo sofre com o que o próprio vice-governador, Afif Domingos (PSD), definiu como “epidemia de insegurança” – situação que não tem colaborado para aumentar a popularidade do atual governo.  
Vale a pena registrar ainda que o número de crimes contra a pessoa cometidos por adolescentes diminuiu – e não aumentou, como alguns querem fazer parecer. Segundo dados da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, entre 2002 e 2011 os casos de homicídio apresentaram uma redução de 14,9% para 8,4%; os de latrocínio (roubo seguido de morte), de 5,5% para 1,9%; e os de estupro, de 3,3% para 1%. Vale a pena também dar a dimensão real do problema: da população total dos adolescentes brasileiros, apenas 0,09% cumprem medidas socioeducativas como infratores. Vou repetir: 0,09%. E a maioria deles cometeram crimes contra o patrimônio. 
É claro que, se alguém acredita que os crimes cometidos pelos adolescentes não têm nenhuma relação com as condições concretas em que vivem esses adolescentes, assim como nenhuma relação com as condições concretas em que cumprem as medidas socioeducativas, faz sentido acreditar que se trata apenas de “vocação para o mal”. Entre os muitos problemas desse raciocínio que parece afetar o senso comum está o fato de que a maioria dos adolescentes infratores é formada por pretos, pardos e pobres. (São também os que mais morrem e sofrem todo o tipo de violência no Brasil.) Essa espécie de “marca da maldade” teria então cor e estrato social? Nesse caso, em vez de melhorar a educação e as condições concretas de vida, a única medida preventiva possível para quem defende tal crença seria enjaular ao nascer – ou nem deixar nascer. Alguém se lembra de ter visto esse tipo de tese em algum momento histórico? Percebe para onde isso leva? 
Há que ter muito cuidado com o que se deseja – e com o que se defende. Assim como muito cuidado em não permitir que manipulem nossa indignação e nossa aspiração por um mundo em que se possa viver sem matar ou morrer.  
Se eu estivesse no lugar dos pais de Victor Hugo Deppman, talvez, neste momento de dor impossível, eu defendesse o aumento do número de anos de internação, assim como a redução da maioridade penal. Não há como alcançar a dor de perder um filho – e de perdê-lo com tal brutalidade. Diante de um crime bárbaro, qualquer crime bárbaro e não apenas o que motivou o atual debate, os parentes da vítima podem até desejar vingança. É uma prerrogativa do indivíduo, daqueles que sofrem o martírio e estão sob impacto dele. Mas o Estado não tem essa prerrogativa.
O indivíduo pode desejar vingança em seu íntimo, o Estado não pode ser vingativo em seus atos. Do Estado se espera que leve adiante o processo civilizatório, as conquistas de direitos humanos tão duramente conquistadas. E, como sociedade, nossa maturidade se mostra pelo conteúdo que damos à nossa indignação. É nas horas críticas que mostramos se estamos ou não à altura da nossa época – e de nossas melhores aspirações.

De minha parte, sempre me surpreendi não com a violência cometida por adolescentes – mas que não seja maior do que é, dado o nível de violência em que vive uma parcela da juventude brasileira, a parcela que morre bem mais do que mata. E só testemunhei a sociedade brasileira olhar de verdade – olhar para ver essa realidade – uma única vez: quando o Brasil assistiu, em horário nobre do domingo, ao documentário Falcão - Meninos do tráfico. É um bom momento para revê-lo.
Sabe por que a violência praticada por adolescentes não é maior do que é? Por causa de seus pais – e especialmente de suas mães. A maioria delas trabalha dura e honestamente, muitas como empregadas domésticas, cuidando da casa e dos filhos das outras. Contra tudo e contra todos, numa luta solitária e sem apoio, elas se viram do avesso para garantir um futuro para seus filhos. O extraordinário é que, apesar de sua enorme solidão, sem amparo e com falta de tudo, a maioria consegue. Àquelas que fracassam cabe a dor que não tem nome, a mesma dor impossível que vive a mãe de Victor Hugo Deppman: enterrar um filho.

Em 2006, espantada com uma geração de brasileiros, a maioria negros e pobres, cuja expectativa de vida era 20 anos, andei pelo país atrás dessas mulheres. Elas respiravam, mas não sei se estavam vivas. Lembro especialmente uma, a lavadeira Enilda, de Fortaleza. Quando o primeiro filho foi assassinado pela polícia, ela estava com as prestações do caixão atrasada. O pai do menino tinha ganhado um dinheiro fazendo pão e, em meio à enormidade da sua dor, eles correram para regularizar o pagamento. Quando conversei com ela, Enilda pagava as prestações do caixão do segundo filho. O garoto ainda estava vivo, mas em absoluta impotência, essa mãe tinha certeza de que o filho morreria em breve. Diante da minha perplexidade, Enilda me explicou que se precavia porque testemunhava muitas mães nas redondezas pedindo esmola para enterrar os filhos – e ela não queria essa humilhação. Enilda dizia: “Meu filho vai morrer honestamente”.

Nunca alcancei essa dor, que era não apenas de enterrar um filho, mas também de comprar caixão para filho vivo, o único ato de potência de uma mulher que perdera tudo. Enilda vivia numa situação de precariedade quase absoluta, tentando trancar nas peças apertadas da casa os filhos que restavam, num calor infernal, para que não fossem às ruas e se viciassem em crack. É claro que perdia todas as suas batalhas. A certeza de ser honesta era, para ela, toda a sanidade possível. (leia aqui).
O que podemos dizer a mulheres como Enilda? Que agora podem ficar tranquilas porque o país voltou a discutir a redução da maioridade penal e o aumento do período de internação? Que é por falta de cadeia logo cedo que seus filhos vendiam e consumiam drogas, roubavam e foram assassinados? Que, ao saber que podem ir presos aos 16 em vez dos 18 anos, seus filhos ainda vivos aceitarão as péssimas condições de vida e levarão uma existência em que não trafiquem, roubem nem sejam mortos? Que é disso que se trata? Quando o primeiro filho de Enilda foi executado, ele tinha 20 anos – e já tinha passado por instituições para adolescentes e pela prisão.

Antes de tornar-se algoz, a maioria das crianças e adolescentes que infringiram a lei foi vítima. E ninguém responde por isso.

Não há educação sem responsabilização. É por compreender isso que o ECA prevê medidas socioeducativas. Mas, quando a solução apresentada é aumentar o rigor da lei – e/ou reduzir a maioridade penal –, pretende-se dar a impressão à sociedade que os adolescentes não são responsabilizados ao cometer um crime. Essa, me parece, é a falsa questão, que só empurra o problema para a frente. A questão, de fato, é que nem o Estado, nem a sociedade, se responsabilizam o suficiente pela nova geração de brasileiros.

Educa-se também pelo exemplo. Neste caso, governantes e parlamentares poderiam demonstrar que têm maioridade moral cumprindo e fazendo cumprir a lei cujo rigor (alguns) querem aumentar. 
 (Eliane Brum escreve às segundas-feiras.)

sábado, 20 de abril de 2013

CASEP - ACP - LIMINAR DEFERIDA

Na última sexta feira, dia 19/04, o Juiz da Vara da Infância, Juventude e Anexos da Comarca de Criciúma concedeu medida liminar em Ação Civil Pública ajuizada pela 8a Promotoria de Justiça a fim de obrigar o Estado de Santa Catarina a regularizar a destinação da unidade socioeducativa de internação provisória, de modo a receber apenas adolescentes que tenham sido internados cautelar e provisoriamente pelo período máximo de 45 dias.

A multa, para o caso de descumprimento, foi arbitrada em R$ 500,00 por dia para cada interno, a ser arcada pessoalmente pela Secretária de Estado de Justiça e Cidadania, sem prejuízo de encaminhamento de cópia dos autos ao Ministério Público para se averiguar a incidência de ato de improbidade administrativa descrito no artigo 29 da Lei 12.594/12.

Eis a parte dispositiva da decisão: "Ante o exposto, defiro a liminar requestada para determinar que o réu promova, no prazo de 90 (noventa) dias a contar da intimação, a transferência de todos os adolescentes que se encontram cumprindo medida socioeducativa de internação no Casep de Criciúma, sob pena de multa diária de R$ 500,00 (quinhentos reais) por interno revertida ao FIA de Criciúma, a ser arcada pessoalmente pela Secretária de Estado de Justiça e Cidadania, sem prejuízo da remessa de cópia dos autos à curadoria da moralidade administrativa, para os fins do art. 29 da Lei n. 12.594/2012.
No tocante aos adolescentes que forem sentenciados ao cumprimento de medida socioeducativa após o decurso desse prazo, o Estado de Santa Catarina deverá providenciar sua transferência para uma unidade de execução no prazo de 30 (trinta) dias, a contar da requisição de vaga, sob pena de multa diária de R$ 500,00 (quinhentos reais) por dia de descumprimento revertida ao FIA de Criciúma, a ser arcada pessoalmente pela Secretária de Estado de Justiça e Cidadania, sem prejuízo da remessa de informações à curadoria da moralidade administrativa, para os fins do art. 29 da Lei n. 12.594/2012.
Expeça-se carta precatória para citação e intimação do Estado de Santa Catarina, bem como intimação da Secretária de Estado de Justiça e Cidadania.

A íntegra da Ação Civil Pública pode ser acessada na postagem do blog: 

MAIS UMA FUGA, O MESMO DESAFIO!


Confira a íntegra da decisão:



Ação: Ação Civil Pública/Lei Especial
Autor: Ministério Público do Estado de Santa Catarina
Réu Estado de Santa Catarina

D E S P A C H O

1. O Ministério Público ajuizou ação civil pública com obrigação de fazer e de não fazer em face do Estado de Santa Catarina alegando, em resumo, que o réu, por intermédio da Secretaria de Estado de Segurança Pública e Defesa do Cidadão, celebrou com a organização não governamental Multiplicando Talentos, no dia 17 de dezembro de 2009, o Termo de Convênio n. 19900/2009-6, com o objetivo de atender adolescentes aos quais se atribua a autoria de atos infracionais em internamento provisório e definitivo na região de Criciúma e adjacências da 5ª Circunscrição Judiciária.
Acrescentou que no ano de 2012 realizou inspeções bimestrais no Centro de Atendimento Provisório – Casep de Criciúma, oportunidades em que constatou o desvio de função da unidade, uma vez que o número de adolescentes internados definitivamente sempre superou o número de internos provisoriamente.
Ponderou que, embora exista previsão no convênio para o atendimento de adolescentes internados definitivamente, a unidade não possui estrutura para tal finalidade.
Ressaltou, ainda, que a situação tem se agravado em razão da intensa transferência de adolescentes promovida pelo Departamento de Atendimento Socioeducativo – Dease, que encaminhou ao Casep de Criciúma adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa oriundos de diversas regiões do Estado, em descumprimento com o disciplinado no Termo de Convênio.
Destacou que a ação do gestor implicou lotação da unidade e incapacidade de internamento de adolescentes oriundos da região definida no Convênio, os quais acabam permanecendo em cela de repartição policial sem condições apropriadas.
Argumentou que o descaso, ou comodidade, do Estado em construir unidades para cumprimento de medida socioeducativa de internação não pode ensejar a violação dos direitos dos adolescentes, nem implicar abalo à segurança pública da cidade, em virtude da constante necessidade de deslocamento de efetivo da Polícia Militar até a unidade para resguardar a segurança dos funcionários.
Ao final, pugnou pelo deferimento de liminar determinando que o réu promova a imediata transferência dos adolescentes internados no Casep de Criciúma que cumprem medida socioeducativa de internação e que não possuam qualquer vínculo com região definida no Convênio, para os Centros Educacionais Regionais existentes no Estado, bem como para o que o demandado se abstenha de encaminhar adolescentes em conflito com a lei para o cumprimento de medida socioeducativa de internação na unidade.
Notificado para se manifestar a respeito do pedido de liminar, o réu sustentou que estão sendo adotadas providências para sanar as irregularidades apontadas na inicial.
Observou que o Estado de Santa Catarina conta em sua estrutura com apenas duas unidades para cumprimento de medida socioeducativa de internação e quatorze estabelecimentos de internação provisória. Registrou a construção do Case de Joinville, bem como a previsão do início das obras de edificação do Case da Grande Florianópolis e a existência de recursos para novas unidades nos municípios de Criciúma, Lages e Chapecó.
Justificou o encaminhamento de adolescentes de outras regiões do Estado para a unidade de Criciúma em razão da ausência de vagas para internação na localidade onde deveriam cumprir a medida socioeducativa.
Destacou que o Convênio atualmente em vigor estabelece que a unidade de Criciúma é destinada ao atendimento de adolescentes nos regimes de internação provisória e definitiva, bem como autoriza o encaminhamento de adolescentes de outras regiões, quando comprovada a ausência de vagas no respectivo Centro de Atendimento Socioeducativo.
Sustentou a ausência de pressupostos para a concessão da liminar, ressaltando que não ficou demonstrada a verossimilhança dos fatos alegados na inicial, uma vez que o Estado de Santa Catarina tem promovido diligências para sanar o problema da falta de vagas para internação.
Além disso,  argumentou que não se faz presente o periculum in mora, pois o deferimento da medida initio litis implicaria soltura dos adolescentes internados definitivamente, ou na superlotação de outras unidades, causando, desse modo, grave lesão à ordem pública, à segurança e à economia pública.
Obtemperou, ainda, que a providência pleiteada pelo Ministério Público demandará tempo, planejamento e aprovação orçamentária, circunstâncias que tornam impraticável a concessão da liminar.
Requereu, assim, o indeferimento da liminar requestada, ou a concessão de um prazo razoável para seu cumprimento.
O pronunciamento do réu veio instruído com cópia do Termo de Convênio atualmente em vigor e com informações prestadas pelo Diretor do Dease.
Com vista dos documentos apresentados, o Ministério Público aditou o pedido inicial. Ressaltou que o novo Termo de Convênio, firmado em 1º de dezembro de 2012, definiu que o Casep de Criciúma destina-se única e exclusivamente ao atendimento de adolescentes em regime de internação provisória. Nesse passo, considerando que o réu ainda não foi citado, alterou o pedido, requerendo a concessão de liminar para que o réu promova a transferência imediata de todos os adolescentes que cumprem medida socioeducativa de internamento definitivo, bem como se abstenha de colocar adolescentes em conflito com a lei para o cumprimento da medida definitiva de internamento no Casep de Criciúma.

2.1 Cuida-se de ação civil pública promovida pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina em razão da oferta irregular de atendimento aos adolescentes internados no Centro de Atendimento Socioeducativo Provisório – Casep de Criciúma pelo Estado de Santa Catarina (art. 208, parágrafo único, combinado com o art. 210, I, do Estatuto da Criança e do Adolescente).
2.2 Tratando-se de demanda que tem como fundamento a violação dos direitos de adolescente por parte do Estado de Santa Catarina (art. 98, III, do Estatuto da Criança e do Adolescente), a competência para processar e julgar a causa é do Juízo da Infância e da Juventude, nos termos do art. 148, IV, combinado com o art. 209 do Estatuto da Criança e do Adolescente. A propósito do tema, destaca-se o entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. COMPETÊNCIA E CONDIÇÕES DA AÇÃO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MINISTÉRIO PÚBLICO. CONSTRUÇÃO DE PRÉDIOS PARA IMPLEMENTAÇÃO DE PROGRAMAS DE ORIENTAÇÃO E TRATAMENTO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES ALCOÓLATRAS E TOXICÔMANOS. VARA DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE. ARTS. 148, IV, 208, VII, E 209 DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. REGRA ESPECIAL.
I - É competente a Vara da Infância e da Juventude do local onde ocorreu a alegada omissão para processar e julgar ação civil pública ajuizada contra o Estado para a construção de locais adequados para a orientação e tratamento de crianças e adolescentes alcoólatras e toxicômanos, em face do que dispõem os arts. 148, IV, 208, VII, e 209, do Estatuto da Criança e do Adolescente. Prevalecem estes dispositivos sobre a regra geral que prevê como competentes as Varas de Fazenda Pública quando presentes como partes Estado e Município.
II - Agravo regimental improvido. (AgRg no Resp 871.204/RJ, Rel. Ministro Francisco Falcão, Primeira Turma, julgado em 27/2/2007, DJ 29/03/2007, p. 234)
2.3 Uma vez que ainda não se operou a citação do Estado de Santa Catarina, juridicamente admissível o aditamento do pedido, consoante disposição do art. 294 do Código de Processo Civil.
Considerando, ainda, que o aditamento teve como fundamento os documentos apresentados pelo Estado de Santa Catarina em sua manifestação a respeito do requerimento de tutela liminar, bem como o disposto no art. 213, § 1º, do Estatuto da Criança e do Adolescente, tem-se por dispensável novo pronunciamento do réu, sendo possível a imediata apreciação da medida initio litis.
2.4 De acordo com o art. 4º, III, da Lei n. 12.594/2012, compete aos Estados criar, desenvolver e manter programas para a execução das medidas socioeducativas de semiliberdade e internação.
Por outro lado, a Resolução n. 165/2012 do Conselho Nacional de Justiça, que dispõe sobre normas gerais para o atendimento, pelo Poder Judiciário, ao adolescente em conflito com a lei no âmbito da internação provisória e do cumprimento das medidas socioeducativas, definiu que a gestão das vagas de internação é atribuição do órgão gestor do atendimento socioeducativo:
Art. 5º O ingresso do adolescente em unidade de internação e semiliberdade, ou serviço de execução de medida socioeducativa em meio aberto (prestação de serviço à comunidade ou liberdade assistida), só ocorrerá mediante a apresentação de guia de execução, devidamente instruída, expedida pelo juiz do processo de conhecimento.
...
Art. 6º A guia de execução, provisória ou definitiva, deverá ser expedida pelo juízo do processo de conhecimento.
§ 1º Formalizada a guia de execução, conforme regrado pelos arts 6ª, 7º e 8º desta Resolução, o juízo do processo de conhecimento encaminhará, imediatamente, cópia integral do expediente ao órgão gestor do atendimento socioeducativo, requisitando designação do programa ou da unidade de cumprimento da medida.
§ 2º O órgão gestor do atendimento socioeducativo, no prazo máximo de 24 (vinte e quatro) horas, comunicará o programa ou a unidade de cumprimento da medida ao juízo do processo de conhecimento e ao juízo responsável pela fiscalização da unidade indicada (Resolução do CNJ n. 77/2009)
...
No caso do Estado de Santa Catarina, a gestão de vagas das unidades de internação é realizada pelo Departamento de Administração Socioeducativa – Dease, vinculado à Secretaria de Estado da Justiça e Cidadania.
Em relação ao Casep de Criciúma, a atribuição do Dease para a administração e distribuição de vagas está prevista no item II da Cláusula Quarta do Convênio firmado em dezembro de 2012 (fls. 120-134):
A SECRETARIA e o DEASE obrigar-se-ão a:
...
II – Administrar, conforme encaminhamento judicial, a distribuição das vagas solicitadas pelas Varas da Infância e Juventude, observando sempre que possível, o critério territorial disposto no inciso VI do Art. 124 e demais critérios estabelecidos pelas Leis nº 8.069/90 - Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA e pela Lei nº 12.594/12 – Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo – SINASE, bem como a observância da divisão territorial por circunscrição judiciária e municípios adjacentes;
...
Esse poder de gestão do sistema de internação e das respectivas vagas não é absoluto, uma vez que jungido aos preceitos definidos no Estatuto da Criança e do Adolescente e na Lei do Sinase.
De acordo com o Convênio n. 18900/2009-6 (fls. 26-31), celebrado entre o Estado de Santa Catarina e a Multiplicando Talentos em 17 de dezembro de 2009, o centro de internamento de Criciúma destinava-se ao atendimento de adolescentes aos quais se atribuísse a prática de ato infracional, em regime de internamento provisório e definitivo (cláusula primeira e cláusula quinta, item I).
Apesar da definição contratual, importante ressaltar que a unidade de Criciúma não possui estrutura adequada ao atendimento simultâneo de adolescentes internados provisória e definitivamente, conforme registrou o Conselho Nacional de Justiça, no relatório descritivo da unidade elaborado em decorrência do Projeto Medida Justa, após visita realizada no dia 24 de agosto de 2010:
A Unidade não oferece condições adequadas para os fins a que se destina (atendimento cumulado CIP e CER), desrespeitando os critérios adotados pelo SINASE.
A inadequação da unidade para o atendimento simultâneo de internações provisórias e definitivas foi igualmente verificada pela Coordenadoria de Execução Penal e da Infância e Juventude do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, por ocasião de inspeção realizada no dia 26 de maio de 2010:
Apesar de ser um CIP, cuja proposta é execução de programa de internação provisória pelo prazo de 45 dias, esta unidade de Criciúma vem atendendo adolescentes que cumprem medida socioeducativa de internação, em razão da falta de vagas nos Centros Educacionais Regionais, estabelecimentos adequados a tal finalidade.
Dentre as recomendações emitidas em decorrência da inspeção para adequação da unidade, extrai-se a seguinte medida:
Providenciar a transferência dos adolescentes que cumprem medida de internação para um dos Centros Educacionais Regionais do Estado.
Pelo que se infere do Convênio celebrado entre o Estado de Santa Catarina e a Multiplicando Talentos em dezembro de 2012 (fls. 120-134) e ao contrário do alegado pelo demandado na manifestação sobre o pedido de tutela liminar, o próprio réu reconheceu a inadequação da unidade de internamento de Criciúma para o atendimento simultâneo das duas modalidades de internação, tanto que restringiu o atendimento à internação provisória.
É o que se observa da cláusula primeira, que definiu o objeto do novo convênio de gestão do Casep de Criciúma:
O presente Convênio tem por objeto prestar atendimento a adolescentes aos quais se atribua autoria de ato infracional, em cumprimento de medida socioeducativa de Internação Provisória, devidamente decretado pela autoridade judiciária, dando cumprimento às decisões judiciais das respectivas Varas da Infância e da Juventude, prestando atendimento socioeducativo na forma do estabelecido nos artigos 94, 108, 121, 123, 124, 125, 183, 185 e seguintes da Lei nº 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente)
No mesmo sentido, é a obrigação assumida pela entidade conveniada na cláusula quinta, item I:
A ENTIDADE obrigar-se-á:
I – Disponibilizar 20 (vinte) vagas, para atendimento a adolescentes aos quais se atribua autoria de ato infracional, em regime de Internação Provisória;
Importante destacar que a alteração do objeto do convênio se deu em decorrência de um juízo de conveniência e oportunidade do gestor do sistema socioeducativo que, mesmo ciente de eventual carência de vagas, entendeu por bem restringir a destinação do Casep de Criciúma ao atendimento de adolescentes internados provisoriamente.
Se assim agiu o administrador, no exercício de seu poder discricionário, é porque não só reconheceu a inadequação da manutenção dos adolescentes que cumprem medida socioeducativa de internação no Casep de Criciúma, como também previu a possibilidade do imediato encaminhamento dos internos já sentenciados para unidades destinadas à execução.
Sempre importante lembrar que ao administrador não é dado o direito de se beneficiar da própria torpeza. A gestão da coisa pública exige responsabilidade, sendo incompatível com o princípio da moralidade administrativa a deliberação meramente retórica a respeito de política pública, notadamente aquela voltada ao atendimento do público infantojuvenil, gravada pela Constituição da República como prioridade absoluta.
Desse modo, atentando-se para a opção do gestor, ficam prejudicadas as objeções apresentadas pelo Estado de Santa Catarina em sua manifestação a respeito da providência initio litis.
Sendo assim, verifica-se que o deferimento da medida liminar é medida que se impõe, a fim de que seja determinado que o Estado de Santa Catarina, na gestão das vagas do Casep de Criciúma, restrinja a unidade ao atendimento de adolescentes internados provisoriamente, nos exatos termos do Convênio celebrado com a organização não governamental Multiplicando Talentos em dezembro de 2012.
Para tanto, o Estado de Santa Catarina deverá, no prazo de 90 (noventa) dias a contar da intimação, promover a transferência de todos os adolescentes que se encontram cumprindo medida socioeducativa de internação no Casep de Criciúma, sob pena de multa diária de R$ 500,00 (quinhentos reais) por interno revertida ao FIA de Criciúma, sem prejuízo da remessa de cópia dos autos à curadoria da moralidade administrativa, para os fins do art. 29 da Lei n. 12.594/2012.
No que diz respeito aos adolescentes que forem sentenciados ao cumprimento de medida socioeducativa após o decurso desse prazo, o Estado de Santa Catarina deverá providenciar sua transferência para uma unidade de execução no prazo de 30 (trinta) dias, a contar da requisição de vaga, sob pena de multa diária de R$ 500,00 (quinhentos reais) por dia de descumprimento revertida ao FIA de Criciúma, sem prejuízo da remessa de informações à curadoria da moralidade administrativa, para os fins do art. 29 da Lei n. 12.594/2012.
Destaque-se que a responsabilidade pelo pagamento da multa é do representante legal do réu, autoridade que têm competência para cumprir à decisão, no caso a Secretária de Estado de Justiça e Cidadania, signatária do Convênio em discussão, consoante escólio de Luiz Guilherme Marinoni:
Caso a multa incidir sobre a pessoa jurídica de direito público, apenas o seu patrimônio poderá responder pelo não-cumprimento da decisão. Entretanto, não há cabimento na multa recair sobre o patrimônio da pessoa jurídica, se a vontade responsável pelo não-cumprimento da decisão é exteriorizada por determinado agente público. Se a pessoa jurídica exterioriza sua vontade por meio da autoridade pública, é lógico que a multa somente pode lograr o seu objetivo se for imposta diretamente ao agente capaz de dar atendimento à decisão jurisdicional.
Não há procedência no argumento de que a autoridade pública não pode ser obrigada a pagar a multa derivada de ação em que foi parte apenas a pessoa jurídica. É que essa multa somente poderá ser imposta se a autoridade pública, que exterioriza a vontade da pessoa jurídica, não der atendimento à decisão. Note-se que a multa somente pode ser exigida da própria autoridade que detinha capacidade para atende à decisão – e não cumpriu. A tese que sustenta que a multa não pode recair sobre a autoridade somente poderia ser aceita se partisse da premissa – completamente absurda – de que o Poder Público pode descumprir decisão jurisdicional em nome do interesse público. (Técnica processual e tutela de direitos. São PAULO: Revista dos Tribunais, 2004, p. 662).
3. Ante o exposto, defiro a liminar requestada para determinar que o réu promova, no prazo de 90 (noventa) dias a contar da intimação, a transferência de todos os adolescentes que se encontram cumprindo medida socioeducativa de internação no Casep de Criciúma, sob pena de multa diária de R$ 500,00 (quinhentos reais) por interno revertida ao FIA de Criciúma, a ser arcada pessoalmente pela Secretária de Estado de Justiça e Cidadania, sem prejuízo da remessa de cópia dos autos à curadoria da moralidade administrativa, para os fins do art. 29 da Lei n. 12.594/2012.
No tocante aos adolescentes que forem sentenciados ao cumprimento de medida socioeducativa após o decurso desse prazo, o Estado de Santa Catarina deverá providenciar sua transferência para uma unidade de execução no prazo de 30 (trinta) dias, a contar da requisição de vaga, sob pena de multa diária de R$ 500,00 (quinhentos reais) por dia de descumprimento revertida ao FIA de Criciúma, a ser arcada pessoalmente pela Secretária de Estado de Justiça e Cidadania, sem prejuízo da remessa de informações à curadoria da moralidade administrativa, para os fins do art. 29 da Lei n. 12.594/2012.
Expeça-se carta precatória para citação e intimação do Estado de Santa Catarina, bem como intimação da Secretária de Estado de Justiça e Cidadania.
Dê-se ciência da presente decisão ao Dease e à entidade conveniada.
Intime-se.
Criciúma (SC), 19 de abril de 2013.

Giancarlo Bremer Nones
Juiz de Direito