quinta-feira, 24 de abril de 2014

Lei da Adoção ainda não acabou com a informalidade nem acelerou processos



Criada há cinco anos a “Nova Lei de Adoção” (Lei 12.010/09) trouxe a proposta de dar mais clareza e mais transparência ao processo de adoção no Brasil. Junto com ela, veio a expectativa de reduzir o fosso que separa famílias que querem um filho e crianças que esperam por um lar, além da esperança de que o tempo no abrigo à espera dos pais não ultrapassasse dois anos. Mas nem tudo se cumpriu.

Autoridades e especialistas concordam que a nova lei trouxe avanços. A criação do Cadastro Nacional de Adoção (CNA) foi um marco importante e a obrigatoriedade de os candidatos se prepararem com um curso ventilou a possibilidade de mais sucesso nas adoções. No entanto, duas das metas principais ainda não foram cumpridas: tornar a adoção mais rápida e acabar com a informalidade.

O Brasil tem hoje 5.500 crianças em condições de serem adotadas vivendo em abrigos, ou seja, os pais já foram destituídos. Outras 34,5 mil estão em abrigos, mas os “pais ainda são pais”, como simplifica o com juiz responsável pelo Cadastro Nacional de Adoção, Gabriel Matos. Isso porque a lei diz que as crianças só podem ir para adoção depois que os parentes forem procurados e se recusarem a ficar com a criança, o que pode demorar anos.

Por outro lado, existem 30 mil famílias à espera de um filho na fila de adoção. “Pode-se questionar: existem 5 mil crianças paradas e por que elas não vão logo para esses 30 mil que estão esperando? Porque elas são crianças indesejadas, mais velhas, com irmãos, com doenças”, explica Matos. A incompatibilidade entre o que os pais querem e a realidade das crianças disponíveis para adoção faz com que o processo demore muito mais do que a média de um ano.

Segundo Matos, das 30 mil famílias que querem adotar, mais de 24 mil querem só uma criança. Só que 3 em cada 4 crianças na fila de adoção têm irmãos. Além disso, 95 em cada 100 pessoas querem adotar crianças com no máximo 5 anos, mas só 450 das 5.500 disponíveis para adoção têm essa idade. Isso sem contar que mais de 1.200 crianças têm alguma doença, o que geralmente faz com que ela seja rejeitada. Por fim, 1 em cada 3 pretendentes a pais só aceitam meninas ou só aceitam crianças brancas.

Essas exigências são comuns porque os candidatos a pais esperam na adoção “o filho ideal” e também têm medo, segundo a deputada Rose de Freitas (PMDB-ES). “O que os pais temem? Que as crianças tragam um monte de problemas psicológicos que eles não consigam resolver. Mas tem o suporte social, psicologia e assistência social”, avalia.

A boa notícia é que a quantidade de pessoas que não se importam com a cor, o sexo ou a idade da criança vem aumentando nos últimos anos. Isso mostra uma mudança cultural, segundo o vice-presidente da Associação Nacional de Grupos de Apoio à Adoção, Paulo Santos. Mas é preciso que os pais diminuam ainda mais as exigências. “A adoção é muito rápida quando se busca a criança que está disponível para adoção”, afirma.

Prazos
Para a presidente da Associação Nacional dos Grupos de Apoio à Adoção, Suzana Schettini, o processo não pode ser mais ágil porque existe uma grande lacuna entre o que a lei apregoa e o que realmente acontece. “Não há equipes técnicas em muitas comarcas, faltam juízes. Quanto mais tempo a criança fica no abrigo, mais perde a chance de estar numa família”, lamenta.
O juiz Gabriel Matos reconhece que não há profissionais e recursos suficientes. Com isso, fica praticamente impossível cumprir os prazos que a lei determinou. Um deles é o de a criança ficar no máximo dois anos no abrigo.
Outro prazo que não é cumprido é a periodicidade que juiz regional tem para reavaliar o caso das crianças abrigadas: a cada seis meses, ele deveria procurara saber se a família tem interesse na criança ou se ela deve ser encaminhada para adoção. Situação que o Conselho Nacional de Justiça está tentando resolver até meados deste ano. “Foi criado um sistema eletrônico, que obriga os juízes a, quando faz a reavaliação semestral, preencher o sistema”, diz Gabriel Matos.

Tentativa de melhora
Na última quinta-feira (3), foi publicada a decisão do plenário do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) de promover mudanças no Cadastro Nacional de Adoção com o objetivo de tentar melhorar o registro das adoções e agilizar os processos.

Uma delas prevê a criação, dentro do CNA, de um subcadastro de estrangeiros já habilitados para adoção no país. Essa habilitação é feita nos tribunais estaduais – e a junção dessas listas em um único cadastro pode aumentar as chances de um pretendente estrangeiro encontrar uma criança ou adolescente com o perfil que deseja adotar, já que aumentará a visibilidade dos pretendentes para todos os juízes da vara da infância. A medida só deve passar a valer na prática daqui a seis meses, quando o sistema informatizado for adaptado.
A mais importante alteração, no entanto, é apenas uma preparação. O CNJ quer que, futuramente, o CNA contenha também todos os cadastros estaduais e locais de pretendentes a pais e os de crianças e adolescentes aptos a serem adotados. Atualmente, cada estado e cada comarca possui uma lista própria de criança e de pretendentes. Se colocada em prática, a unificação dos cadastros pode aumentar a visibilidade dos candidatos e resolver o problema da falta de registros e números oficiais da adoção no País. 


*Matéria extraída do site da Câmara dos Deputados. Acesse o original clicando aqui

quarta-feira, 23 de abril de 2014

CASEP DE CRICIÚMA - ACP - SENTENÇA CONFIRMADA, EM PARTE, PELO TJSC

No dia 8 de abril de 2014, foi publicado o acórdão de julgamento do recurso de apelação interposto pelo Estado de Santa Catarina contra decisão judicial prolatada em Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público, através da 8ª Promotoria de Justiça de Criciúma.

A ação foi deflagrada em dezembro de 2012, com a finalidade de fazer o Estado de Santa Catarina cumprir seu papel de gestor do sistema e observar a lei, o SINASE e o "convênio", do qual ele próprio é signatário, para dar a devida destinação ao Centro de Atendimento Socioeducativo Provisório de Criciúma e, em primeiro lugar, observe a  função da unidade, transferindo-se, de imediato, todos os adolescentes internados quem cumprem medida socioeducativa definitiva; em segundo, para que ficasse o Estado obrigado a não mais permitir que se ingressasse no CASEP local adolescentes em conflito com a lei com medida socioeducativa de internação definitiva (clique aqui para acessar a íntegra da petição inicial)

Após a decisão liminar favorável ser confirmada em sentença pelo Juízo da Infância e Juventude, o Estado de Santa Catarina recorreu ao Tribunal de Justiça, sendo o recurso apreciado no dia 1º de abril, acolhendo parcialmente o apelo interposto para, unicamente, redirecionar a multa imposta ao agente político, no caso à Secretária de Justiça e Cidadania, ao ente federativo, leia-se Estado de Santa Catarina.

Em resumo: O Estado de Santa Catarina está obrigado a abster-se de encaminhar adolescentes em conflito com a lei para o cumprimento de medida socioeducativa de internação no Centro de Atendimento Socioeducativo Provisório - Casep de Criciúma, mantendo-se, na unidade, unicamente os adolescentes internados provisoriamente, sob pena de multa diária a ser, agora, arcada pelo ente federativo e não mais pessoalmente na figura do Secretário de Justiça e Cidadania, gestor do sistema socioeducativo.

Confira a íntegra do acórdão da lavra do Desembargador João Henrique Blasi:

Apelação Cível n. 2013.072008-5, de Criciúma
Relator: Des. João Henrique Blasi

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM OBRIGAÇÃO DE FAZER E NÃO FAZER. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. CENTRO DE ATENDIMENTO SOCIOEDUCATIVO PROVISÓRIO. PRELIMINAR DE  INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA DA VARA DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE. REJEIÇÃO. MATÉRIA DE FUNDO: MANUTENÇÃO DE ADOLESCENTES QUE CUMPREM MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS COM OUTROS PROVISORIAMENTE INTERNADOS. DESCABIMENTO. LESÃO A DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS, DIFUSOS E COLETIVOS.  POSSIBILIDADE DE CONTROLE JUDICIAL. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA DO PEDIDO MANTIDA, APENAS COM O REDIRECIONAMENTO DA  MULTA (ASTREINTE) IMPOSTA AO AGENTE PÚBLICO PARA O ENTE-RÉU. APELO PARCIALMENTE PROVIDO.

I. "O Estatuto da Criança e do Adolescente firma como sendo da competência absoluta da Vara da Infância e da Juventude processar e julgar as ações fundadas em interesses individuais, difusos ou coletivos vinculados à criança e ao adolescente." (TJSC - Conflito de Competência n. 2013.047968-3, de Tubarão, rel. Des. Fernando Carioni, j. em 4.9.2013)

II. "O controle judicial das políticas públicas é vedado quando o pleito deduzido em sede de ação civil pública reveste-se de caráter genérico, inespecífico e abstrato, [...]  Quando, porém, da execução de determinada política pública, seja por ação ou omissão, decorre prejuízo concreto a interesses individuais homogêneos, difusos ou coletivos  [como sói ocorrer no caso dos autos, em que há evidente malefício a adolescentes, pela ação estatal de transferir quem cumpre medida socioeducativa de internação para estabelecimento de internação provisória], nasce a pretensão ao controle judicial de tais políticas por meio de ação coletiva. [Por outro lado] a  extensão ao agente político de sanção coercitiva aplicada à Fazenda Pública, ainda que revestida do motivado escopo de dar efetivo cumprimento à ordem mandamental, está despida de juridicidade. A norma que prevê a adoção da multa como medida necessária à efetividade do título judicial restringe-se ao réu, como se observa do § 4º do art. 461 do Códex Instrumental. Orientação recente do STJ, REsp 747371/DF, rel. Min. Jorge Mussi, j. 6.4.2010." (TJSC - Apelação Cível n. 2009.072335-6, de Caçador, rel. Des. Pedro Manoel Abreu, j. em 17.8.2010)
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2013.072008-5, da comarca de Criciúma (Vara da Infância e da Juventude e Anexos), em que é apelante Estado de Santa Catarina e apelado Ministério Público do Estado:
A Segunda Câmara de Direito Público decidiu, por votação unânime, dar parcial provimento ao recurso para redirecionar a imposição de multa diária (astreinte) unicamente contra o réu (Estado de Santa Catarina). Custas legais.
Participaram do julgamento, realizado nesta data, os Exmos. Srs. Desembargadores Sérgio Baasch Luz, que o presidiu, e Cid Goulart.
Florianópolis, 1º de abril de 2014


João Henrique Blasi
Relator



RELATÓRIO
Cuida-se de apelação interposta pelo Estado de Santa Catarina, representado pelo Procurador André Doumid Borges, contrastando sentença proferida pelo Juiz Giancarlo Bremer Nones (fls. 301 a 309), que, em ação civil pública proposta pelo Ministério Público do Estado, em petição inicial subscrita pelo Promotor de Justiça Mauro Canto da Silva, assim decidiu:

[...] acolho o pedido formulado pelo Ministério Público em face do Estado de Santa Catarina, para confirmar a liminar de fls. 150-157 e para: A) condenar o réu a abster-se de encaminhar adolescentes em conflito com a lei para o cumprimento de medida socioeducativa de internação no Casep de Criciúma, sob pena de multa diária de R$ 500,00 (quinhentos reais) por interno revertida ao FIA de Criciúma, a ser arcada pessoalmente pela Secretária de Estado de Justiça e Cidadania, sem prejuízo da remessa de cópia dos autos à curadoria da moralidade administrativa, para os fins do art. 29 da Lei n. 12.594/2012; B) condenar o réu a transferir os adolescentes internados provisoriamente no Casep de Criciúma, que forem sentenciados ao cumprimento de medida socioeducativa de internação, para uma unidade de execução no prazo de 30 (trinta) dias, a contar da requisição de vaga, sob pena de multa diária de R$ 500,00 (quinhentos reais) por dia de descumprimento revertida ao FIA de Criciúma, a ser arcada pessoalmente pela Secretária de Estado de Justiça e Cidadania, sem prejuízo da remessa de informações à curadoria da moralidade administrativa, para os fins do art. 29 da Lei n. 12.594/2012. Comunique-se com urgência ao relator do recurso de agravo interposto pelo réu. Uma vez que a condenação não possui valor certo, inaplica-se a exceção prevista no § 2º do art. 475 do Código de Processo Civil. Sendo assim, após o decurso do prazo para os recursos voluntários, remetam-se os autos ao Tribunal de Justiça, para o reexame necessário. Procedimento isento de custas e emolumentos, nos termos do § 2º do art. 141 do Estatuto da Criança e do Adolescente. (fls. 308 e 309)

Aduz o apelante: (i) incompetência absoluta do Juízo de origem, dado que o feito deveria ter sido processado e julgado pela Vara da Fazenda Pública; (ii) impossibilidade jurídica do pedido, por envolver discricionariedade administrativa; (iii) adequação das medidas tomadas para o atendimento dos adolescentes infratores em Criciúma e em todo o território catarinense; (iv) ausência de previsão orçamentária; (v) inviabilidade de fixação de multa contra a Secretária de Estado de Justiça e Cidadania por eventual descumprimento da decisão recorrida (fls. 383 a 398); e, por fim, (vi) prequestionamento dos dispositivos legais invocados.
Houve contrarrazões (fls. 401 a 406).
O Procurador de Justiça Paulo Cezar Ramos de Oliveira opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 412 a 420).
É o relatório.
VOTO
A sentença sob exame assim dirimiu a lide:
3. A preliminar de incompetência do Juízo da Vara da Infância e da Juventude não merece guarida.
Com  efeito, tratando-se  de  demanda que tem como fundamento a violação dos direitos do adolescente por parte do Estado de Santa Catarina (art. 98, III, do Estatuto da Criança e do Adolescente), a competência para processar e julgar a causa passa a ser do Juízo da Infância e da Juventude, nos termos do art. 148,  IV, combinado com o art. 209 do Estatuto da Criança e do Adolescente, em detrimento do Juízo da Fazenda Pública. A propósito do tema,  destaca-se o entendimento  firmado pelo Superior Tribunal de Justiça:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. COMPETÊNCIA E CONDIÇÕES DA AÇÃO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MINISTÉRIO PÚBLICO. CONSTRUÇÃO DE PRÉDIOS  PARA IMPLEMENTAÇÃO DE  PROGRAMAS  DE ORIENTAÇÃO E TRATAMENTO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES ALCOÓLATRAS E TOXICÔMANOS. VARA DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE. ARTS. 148, IV, 208, VII, E 209 DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. REGRA ESPECIAL:
- É competente a Vara dá Infância e da Juventude do local onde ocorreu a alegada omissão para processar e julgar ação civil pública ajuizada contra o Estado para á construção de locais adequados para a orientação e tratamento de crianças e adolescentes alcoólatras e toxicômanos,  em face do  que dispõem os arts. 148, IV, 208, VII, e 209, do Estatuto da Criança e do Adolescente. Prevalecem estes dispositivos sobre a regra geral que prevê como competentes a Fazenda Pública quando presentes como partes Estado e Município.
II - Agravo regimental improvido. (AgRg no Resp 871.204/RJ, Rel. Ministro Francisco  Falcão,  Primeira  Turma, julgado  em 27/2/2007, DJ 29/03/2007, p. 234)             -
4. A preliminar de  impossibilidade jurídica  do pedido confunde-se com a matéria de fundo e será apreciada conjuntamente com o mérito da demanda.
5. Relativamente à inobservância dos preceitos da Lei. n. 8.437/92, destaca-se, de início, que o réu foi previamente instado a se manifestar quanto ao pedido de liminar.
Ainda, conforme consignado na interlocutória, levando-se em consideração que o aditamento teve como fundamento os  documentos apresentados pelo Estado de Santa Catarina em sua manifestação a respeito do requerimento de tutela liminar, bem como o disposto no art. 213, § 1º, do Estatuto da Criança e do Adolescente, era dispensável novo pronunciamento do réu, sendo possível a imediata apreciação da medida initio litis.
Além do mais, não se vislumbra a irreversibilidade da providência liminar, uma vez que no caso de eventual  provimento do recurso interposto, ou improcedência do pedido, a situação poderá retornar ao status quo ante.
6. De acordo com o art. 4º, III, da Lei n. 12.594/2012 (Lei do Sinase), compete aos Estados criar, desenvolver e manter programas para a execução das medidas socioeducativas de semiliberdade e internação.
Por sua vez, a Resolução n. 165/2012 do Conselho Nacional de Justiça, que dispõe sobre normas gerais para o atendimento, pelo Poder Judiciário, ao adolescente em conflito com a lei no âmbito da internação provisória e do  cumprimento das medidas socioeducativas, definiu, que a gestão das vagas de internação é atribuição do órgão gestor do atendimento socioeducativo:
Art. 5º O ingresso do adolescente em unidade de internação e semiliberdade, ou serviço de execução de medida socioeducativa em meio aberto (prestação de serviço à comunidade ou liberdade assistida), só ocorrerá mediante a apresentação de guia de execução, devidamente instruída, expedida pelo juiz do processo de conhecimento.
...
Art. 6º A guia de execução, provisória ou definitiva, deverá ser expedida pelo juízo do processo de conhecimento.
§ 1º Formalizada a guia de execução, conforme regrado pelos                   arts 6º, 7º e 8º desta Resolução, o juízo do processo de conhecimento encaminhará, imediatamente, cópia integral do expediente ao órgão gestor do atendimento' socioeducativo, requisitando designação do programa ou da unidade de cumprimento da medida.
§ 2º O órgão gestor do atendimento socioeducativo, no prazo máximo de 24 (vinte e quatro) horas, comunicará o programa ou a unidade de cumprimento da medida ao juízo do processo de conhecimento e ao juízo responsável pela fiscalização da unidade indicada (Resolução do CNJ n. 77/2009)
No caso do Estado de Santa Catarina, conforme destacado na contestação, a gestão de vagas das unidades de internação é realizada pelo Departamento de Administração Socioeducativa - Dease, vinculado à Secretaria de Estado da Justiça e Cidadania.
Em relação ao Casep de Criciúma, a atribuição do Dease para a administração e distribuição de vagas está prevista no item II da Cláusula Quarta do Convênio n. 2013/061, firmado em dezembro de 2012 (fls. 268-285):
A SECRETARIA e o DEASE obrigar-se-ão a:
...
II -  Administrar, conforme encaminhamento judicial, a distribuição das vagas solicitadas pelas Varas da Infância e Juventude, observando sempre que possível, o critério territorial disposto no inciso VI do Art. 124 e demais critérios estabelecidos pelas Leis nº 8.069/90 - Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA e pela Lei nº 12.594/12 - Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo - SINASE, bem como a observância da divisão territorial por circunscrição judiciária e municípios adjacentes;
...(fl. 270)
Esse poder de gestão do sistema de internação e das respectivas vagas não é absoluto, uma vez que jungido aos preceitos definidos no Estatuto da Criança e do Adolescente e na Lei do Sinase.
De acordo com o Convênio n. 18900/2009-6 (fls. 26-31), celebrado entre o Estado de Santa Catarina e a Multiplicando Talentos em 17 de dezembro de 2009, o Centro de Internamento de Criciúma destinava-se ao atendimento de adolescentes aos quais se atribuísse a prática de ato infracional, em regime de  internamento provisório e definitivo (cláusula primeira e cláusula quinta, item 1).
Apesar da definição contratual, importante ressaltar que "a unidade de Criciúma não possui estrutura adequada ao atendimento simultâneo de adolescentes internados provisória e definitivamente, conforme registrou o Conselho Nacional de Justiça no relatório descritivo da unidade, elaborado em decorrência do Projeto Medida Justa, após visita realizada no dia 24 de agosto de 2010:
A Unidade não oferece condições adequadas para os fins a que se destina (atendimento cumulado CIP e CER), desrespeitando os critérios adotados pelo SINASE. (fl. 158)
A inadequação da unidade para o atendimento simultâneo de internações   provisórias e definitivas foi igualmente verificada pela Coordenadoria de Execução Penal e da Infância e Juventude do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, por ocasião de inspeção realizada no dia 26 de maio de 2010:
Apesar de ser um CIP, cuja proposta é execução de programa de internação provisória pelo prazo de 45 dias, esta unidade de Criciúma vem atendendo adolescentes que cumprem medida socioeducativa de internação, em razão da falta de vagas nos Centros Educacionais Regionais, estabelecimentos adequados a tal finalidade. (fl. 167)
Dentre as recomendações emitidas, em decorrência da inspeção para adequação da unidade, extrai-se a seguinte medida:
Providenciar a transferência dos adolescentes que cumprem medida de internação para um dos Centros Educacionais Regionais do Estado. (fl. 167)
Pelo que se infere do Convênio n. 2013/061, celebrado entre o Estado de Santa Catarina e a Multiplicando Talentos em dezembro de 2012 (fls. 268-285), o próprio réu reconheceu a inadequação da unidade de internamento   de  Criciúma para o atendimento simultâneo das duas modalidades de internação, tanto que restringiu o atendimento à internação provisória.                          
É o que se observa da cláusula primeira, que definiu o objeto do novo convênio de gestão do Casep de Criciúma:
O presente Convênio tem por objeto prestar atendimento a adolescentes aos quais se atribua autoria de ato infracional, em cumprimento  de   medida   socioeducativa  de  Internação Provisória, devidamente decretado pela autoridade judiciária, dando cumprimento às decisões judiciais das respectivas Varas da  Infância e  da Juventude, prestando atendimento socioeducativo na forma do estabelecido nos artigos 94, 108, 121, 123, 124, 125, 183, 185 e seguintes da Lei nº 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente) (fl. 269)
No mesmo sentido, é a obrigação assumida pela entidade conveniada na cláusula quinta, item 1:
A ENTIDADE obrigar-se-á a:
- Disponibilizar 20 (vinte) vagas, para atendimento a adolescentes aos quais se atribua autoria de ato infracional em regime de Internação Provisória; (fl. 272)
Importante destacar que a alteração do objeto do convênio se deu em decorrência de um juízo de conveniência e oportunidade do gestor do sistema socioeducativo que, mesmo ciente de eventual carência de vagas, ou da ausência de previsão orçamentária, entendeu por bem restringir a destinação do Casep de Criciúma ao atendimento de adolescentes internados provisoriamente.
Se assim agiu o administrador, no exercício de seu poder discricionário, é porque não só reconheceu a inadequação da manutenção dos adolescentes que cumprem medida socioeducativa de internação no Casep de Criciúma como também previu a possibilidade do imediato encaminhamento dos internos já sentenciados para unidades destinadas à execução.
Sempre importante lembrar que ao administrador não é dado o direito de se beneficiar da própria torpeza. A gestão da coisa pública exige responsabilidade, sendo incompatível com o principio da moralidade administrativa a deliberação meramente retórica a respeito de política pública, notadamente   aquela voltada ao atendimento do público infanto-juvenil, gravada pela Constituição da República como prioridade absoluta.
Sendo assim, verifica-se que o acolhimento do pedido é medida que se impõe, a fim de que seja determinado que o Estado, de Santa Catarina, na gestão das vagas do Casep de Criciúma, restrinja a Unidade ao atendimento de adolescentes internados provisoriamente, nos exatos termos do Convênio celebrado com a organização não governamental Multiplicando Talentos em dezembro de 2012.
Saliente-se que a decisão, nesses termos, não interfere na discrionariedade administrativa, nem implica indevida intervenção judicial na gestão de vagas para internação de adolescentes em conflito com a lei no Estado de Santa Catarina, na medida em que respeita o juízo de conveniência e oportunidade formulado pelo réu por ocasião da confecção do ato administrativo.                 
Relativamente à impossibilidade de estabelecimento de multa para o caso de descumprimento da determinação judicial em desfavor da pessoa jurídica de direito público, cumpre registrar que esta não é a hipótese dos autos, uma vez que a astreinte foi aplicada à autoridade que tem competência para cumprir a decisão, no caso a Secretária de Estado de Justiça e Cidadania, signatária do Convênio em discussão (fls. 156-157). (fls. 304 a 308)
Considero, no geral, acertada a decisão recorrida.
Isagogicamente, no tocante à ventilada incompetência absoluta do Juízo originário, o Órgão Especial desta Corte, alterando compreensão anterior, firmou intelecção quanto à competência da Vara da Infância e da Juventude para processar e julgar feito de interesse de menor. Confira-se a ementa:
CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. DIVERGÊNCIA ENTRE A VARA DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE E A VARA DA FAZENDA PÚBLICA. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. AÇÃO PROPOSTA POR MENOR ABSOLUTAMENTE  INCAPAZ. QUESTÃO AFETA AO DIREITO INDIVIDUAL E INDISPONÍVEL DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE. ART. 148, IV, DO ECA. NORMA QUE SE SOBREPÕE ÀS DIRETRIZES DE DISTRIBUIÇÃO DE COMPETÊNCIA DITADAS PELO CÓDIGO DE DIVISÃO E ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA DE SANTA CATARINA. COMPETÊNCIA ABSOLUTA FIRMADA NA VARA DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE. PRECEDENTES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.  CONFLITO IMPROCEDENTE.
O Estatuto da Criança e do Adolescente firma como sendo da competência absoluta da Vara da Infância e da Juventude processar e julgar as ações fundadas em interesses individuais, difusos ou coletivos vinculados à criança e ao adolescente. (CC n. 2013.047968-3, de Tubarão, rel. Des. Fernando Carioni, j. 4.9.2013 - negritei)
Se, no feito acima ementado, referente ao fornecimento de fármaco a menor, a competência foi reconhecidamente proclamada em favor da Vara da Infância e da Juventude, no caso dos autos, alusivo ao internamento de adolescentes em estabelecimento estatal, esse entendimento, com muito mais razão, deve ser vocalizado.  
Afinal, o art. 148, inc. IV, do Estatuto da Criança e do Adolescente dispõe que "a Justiça da Infância e da Juventude é competente para [...] conhecer de ações civis fundadas em interesses individuais, difusos ou coletivos afetos à criança e ao adolescente, observado o disposto no art. 209".
Sobreleva invocar, no ponto, o abalizado escólio de Antônio Fernando do Amaral e Silva. Verbis:
" [...] sendo um ramo especializado da Justiça local, as leis de organização judiciária regulamentarão o sistema de acordo com as peculiaridades de cada Estado, mas, no que tange à competência, terão de se ater ao disposto no artigo supra, prevalecendo a lei hierarquicamente superior", que é o Estatuto da Criança e do Adolescente. (in Estatuto da criança e do adolescente comentado. 9 ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2008. p. 588)
Na mesma senda tem assentado o Superior Tribunal de Justiça. Veja-se:
PROCESSUAL CIVIL. COMPETÊNCIA. VARA DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE.
[...]
2. A pretensão deduzida na demanda enquadra-se na hipótese contida no art. 148, IV, c/c art. 209 do ECA, sendo da competência absoluta do Juízo da Vara da Infância e da Juventude a apreciação das controvérsias fundadas em interesses individuais, difusos ou coletivos vinculados à criança e ao adolescente. Precedentes (EDcl no AREsp 24798/SP, rel. Min. Castro Meira, 2ª Turma, j. 7.2.2012)
É o quanto basta para firmar-se, sem ressaibo de dúvida, a competência do Juízo sentenciante.
Passo ao exame da matéria de fundo, diretamente imbricada com a preliminar de impossibilidade jurídica do pedido.
Dimana dos autos, no essencial, que o Estado-réu/recorrente foi compelido a abster-se de encaminhar adolescentes em conflito com a lei para o cumprimento de medida socioeducativa de internação no Centro de Atendimento Socioeducativo Provisório - Casep de Criciúma, mantendo-se, naquela unidade, unicamente os adolescentes internados provisoriamente, bem assim foi imposta multa à Secretária de Estado da Justiça e Cidadania, em caso de eventual descumprimento do decisum.
Tratando especificamente dessa matéria este Tribunal decidiu:
Apelação cível em ação civil pública. Obrigação de fazer e não fazer. Transferência, pelo Estado, de adolescentes sujeitos à medida de internação definitiva para Centro de Internação Provisória. Inexistência de infraestrutura adequada. Prejuízo aos demais adolescentes submetidos à medidas menos graves e funcionários do estabelecimento. Decreto de procedência, no primeiro grau de jurisdição. Alegada violação ao princípio da Separação dos Poderes, por invasão de atribuições exclusivamente administrativas no trato das políticas públicas. Inocorrência. Discricionariedade que não pode resultar em lesão a direitos individuais homogêneos, difusos e coletivos. Lesão in concreto configurada. Controle judicial de políticas públicas autorizado, na hipótese. Multa diária. Direcionamento contra os agentes públicos. Impossibilidade, ante a recente orientação do Superior Tribunal de Justiça. Prazo exíguo para cumprimento da ordem judicial. Ampliação. Recurso parcialmente provido.
O controle judicial das políticas públicas é vedado quando o pleito deduzido em sede de ação civil pública reveste-se de caráter genérico, inespecífico e abstrato, hipótese inocorrente na espécie. Quando, porém, da execução de determinada política pública, seja por ação ou omissão, decorre prejuízo concreto a interesses individuais homogêneos, difusos ou coletivos [como sói ocorrer no caso dos autos, em que há evidente malefício  a adolescentes, pela ação estatal de transferir quem cumpre medida socioeducativa de internação para estabelecimento de internação provisória], nasce a pretensão ao controle judicial de tais políticas por meio de ação coletiva.
[Outrossim], a extensão ao agente político de sanção coercitiva aplicada à Fazenda Pública, ainda que revestida do motivado escopo de dar efetivo cumprimento à ordem mandamental, está despida de juridicidade. A norma que prevê a adoção da multa como medida necessária à efetividade do título judicial restringe-se ao réu, como se observa do § 4º do art. 461 do Códex Instrumental". Orientação recente do STJ, REsp 747371/DF, rel. Min. Jorge Mussi, j. 6.4.2010. (AC n. 2009.072335-6, de Caçador, rel. Des. Pedro Manoel Abreu, j. 17.8.2010)
No que atina com a invocada falta de previsão orçamentária, tem-se que ela não deve servir de entrave ao caso em tela, tornando-se, pois, irrelevante ante o direito à vida, à saúde e a própria dignidade da pessoa humana, bem como o princípio da prioridade absoluta de tratamento, a ser assegurado à adolescente.
Como a solução aviada pela sentença recorrida encontra endosso em precedentes jurisprudenciais, e defluindo ela da efetiva aplicação do Estatuto da Criança e do Adolescente, é de se mantê-la, no essencial, dando-se provimento ao apelo apenas redirecionar a imposição da multa diária (astreinte) exclusivamente contra o réu (Estado de Santa Catarina).
Com esse contorno é de prover-se parcialmente a apelação, consignando-se, por fim, de que o prequestionamento desnuda-se despiciendo sempre que, como no caso dos autos, o julgador já tenha encontrado fundamentação bastante em prol do decidido, até porque não está ele obrigado a responder a todas as perquirições pontualmente deduzidas pelos litigantes.

Eis o voto.

terça-feira, 22 de abril de 2014

Criciúma necessita de um segundo Conselho Tutelar

Na última semana, as atribuições e a participação do Conselho Tutelar (CT) de Criciúma em uma ação envolvendo diversas entidades de segurança nos terminais rodoviários gerou debate e levantou o número insuficiente de conselheiros na cidade. Uma resolução do Conselho Nacional dos Departamentos da Criança e do Adolescente (Conanda), recomenda um Conselho Tutelar para cada 100 mil habitantes. Criciúma alcançou, segundo estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2013, 202,3 mil habitantes.

Segundo o promotor da Vara da Infância e da Adolescência, Mauro Canto da Silva, recentemente houve edição de uma lei municipal em Criciúma que autoriza a criação de novo Conselho Tutelar, que está a cargo do Conselho Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA). “Como estamos perto de atingir a marca dos 200 mil habitantes em Criciúma, há sim enorme necessidade da criação e instalação de pelo menos mais um Conselho Tutelar”, avalia.

O promotor destaca que o Conselho Tutelar é órgão autônomo, independente e ocupa posição de destaque no Sistema de Garantias e Direitos da Criança e do Adolescente, não se subordinando a qualquer outra instituição integrante da rede de atendimento. “É o órgão protetivo por excelência, cabendo atuar quando há situação de risco, devendo aplicar medidas protetivas previstas no Estatuto da Criança e Adolescente (ECA), que são de sua competência”, explica.

Conforme o promotor, a demanda de atendimento é complexa e merece atenção urgente. “A cidade de Criciúma possui diversas áreas de alta vulnerabilidade social que, por sua extensão territorial, torna-se praticamente impossível a atuação eficiente de apenas um CT. Para uma eficaz atuação da rede de atendimento, há necessidade de estrutura suficiente aos organismos que se encontram na linha de frente de atuação. A criação de novo CT merece atenção e urgência. Inclusive, a estrutura e demanda do atual CT está sendo acompanhada pela 8ª Promotoria de Justiça da Infância e Juventude, através de inquérito civil”, salienta.

O inquérito civil foi instaurado para cada um dos quatro municípios da comarca. De acordo com Silva, o inquérito não tem o objetivo de investigar irregularidades, pelo contrário. “Ao Ministério Público interessa um Conselho Tutelar forte, para que seja viável a garantia dos direitos de crianças e adolescentes”, enfatiza o promotor.

O presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e Adolescente (CMDCA), Neto Nunes, exalta a necessidade da criação de um novo CT. “Existe uma demanda que não é superada por falta de conselheiros e estrutura. Este tempo de espera é um período de agonia, e não por um desejo do Poder Público, mas é inviável pela questão legal, por estarmos em período eleitoral”, esclarece.

Para suprir a demanda, o CMDCA irá buscar uma parceria com a Administração Pública para dar suporte ao trabalho que vem sendo realizado. “Esta parceria quer viabilizar os trabalhos burocráticos, destinando às conselheiras os atendimentos na ponta, na base”, sugere o presidente. “É uma medida paliativa mas que auxiliaria nos atendimentos às crianças e adolescentes até a criação de um novo Conselho Tutelar em 2015”, antecipa.

Por lei, cinco é o número de conselheiras para 100 mil habitantes. Com o dobro de pessoas em Criciúma, a demanda reprimida é inevitável. Por dia, as cinco conselheiras - que a partir de hoje voltam a trabalhar - pois nas últimas semanas havia somente quatro atuando, por causa de licença – recebem 35 denúncias.

Entre as principais ocorrências estão: negligência familiar, falta de vagas em creches e encaminhamento ao Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), em função de uso de drogas. “Cada vez mais notamos a diminuição da idade dos usuários de drogas. Já atendemos criança de nove anos usando a droga”, comentou a conselheira Marta Remor.

Publicado no dia 22/04/2014, Jornal da Manhã

Texto: Morgana Rosso
Foto: Daniel Búrigo